Algumas Palavras...


"Sem a curiosidade
que me move,
que me inquieta,
que me insere na busca
não aprendo
nem ensino."
(Paulo Freire)

25 de abril de 2010

Nas palavras... a busca!

Procura da poesia 

Não faças versos sobre acontecimentos. 
Não há criação nem morte perante a poesia. 
Diante dela, a vida é um sol estático, não aquece nem ilumina. 
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam. 
Não faças poesia com o corpo, 
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica. 
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro 
são indiferentes. 
Nem me reveles teus sentimentos, 
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem. 
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia. 

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz. 
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas. 
Não é música ouvida de passagem; rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma. 
O canto não é a natureza 
nem os homens em sociedade. 
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam. 
A poesia (não tires poesia das coisas) 
elide sujeito e objeto. 
Não dramatizes, não invoques, 
não indagues. Não percas tempo em mentir. 
Não te aborreças. 
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante, 
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família 
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável. 

Não recomponhas 
tua sepultada e merencória infância. 
Não osciles entre o espelho e a 
memória em dissipação. 
Que se dissipou, não era poesia. 
Que se partiu, cristal não era. 

Penetra surdamente no reino das palavras. 
Lá estão os 
poemas que esperam ser escritos. 
Estão paralisados, mas não há desespero, 
há calma e frescura na superfície inata. 
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário. 
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los. 
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam. 
Espera que cada um realize e consuma 
com seu poder de palavra 
e seu poder de silêncio. 
Não forces o poema a desprender-se do limbo. 
Não colhas no chão o poema que se perdeu. 
Não adules o poema. Aceita-o 
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada 
no espaço. 

Chega mais perto e contempla as palavras. 
Cada uma 
tem mil faces secretas sob a face neutra 
e te pergunta, sem interesse pela resposta, 
pobre ou terrível, que lhe deres: 
Trouxeste a chave? 

Repara: 
ermas de melodia e conceito 
elas se refugiaram na noite, as palavras. 
Ainda úmidas e impregnadas de sono, 
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo. 


ANDRADE, Carlos Drurmmond de. Poesia completa & prosa. Rio de Janeiro:José Aguilar,1973. 
“Procura da poesia” é um dos textos de abertura do livro A rosa do povo, que reúne poemas escritos entre 1943 e 1945, o conjunto formado por esses textos resulta numa das mais belas e profundas reflexões sobre o “fazer poético”, sobre a arte e utilidade da poesia. 



 E EU? À PROCURA DA MELHOR AULA!!!  EM BUSCA DA AULA PERFEITA!

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